quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Ecos

Quando eu era mais nova, tinha uma ilusão de que paixão era amor. Sabe, aqueles altos e baixos, as borboletas no estômago, as mãos suando e algo que batesse de cara. Depois de vários tombos, eu compreendi que muito pelo contrário, o amor é paz, quietude, rotina que não cansa, silêncio que não incomoda, falas que não agridem. Não é que não possa ter paixão, mas o amor grita baixinho, não aprisiona, não força, não implora. E que relação é construção, relacionamento é processo, é querer escolher a mesma pessoa dia após dia. E mais importante é saber que cada pessoa tem um limite, e que permanecer não deve nem pode ser penoso. Saber estar, saber partir, saber deixar entrar, saber deixar sair. E assim, aprendi a me amar, estar solitária e em silêncio não me incomoda, me cobrar tanto não pode ser rotina, que eu preciso me cultivar e me regar, arrumar a minha mente e saber meus limites, saber até onde eu posso ir, de onde preciso ir embora. Fiz por mim o que eu tentei fazer pelos outros e pasme, funciona (na maior parte dos dias). E foi assim que aprendi de verdade o que é o amor.

quarta-feira, 22 de março de 2023

Me escreve num poema?

Coloca palavras para descrever o que você vê em mim. Usa todos seus jeitos para explicar como suas mãos encostariam nas minhas coxas. Faz um poema meu. Me eterniza num amontoado de palavras, que só eu sei que são para mim. Escreve uma fala minha, finge que é importante e me faz parecer interessante. Descreve seus dedos percorrendo as minhas costas desnudas, o cheiro do meu cabelo, o gosto do meu beijo. Põe no papel seus pensamentos impuros sobre nós, ou os mais puros que te vier na cabeça. Digita meu nome, me descreve com detalhes, conta sobre mim, me faça real. Por favor.

domingo, 5 de março de 2023

ainda que não

Eu costumava achar que as garotas não gostavam de verdade de piña colada. Achava que elas só pediam porque era um drink bonito, e fazia com que elas parecessem mais atraentes. Eu não entendia nada sobre mulheres, no final das contas. Lembro de pensar que, se estavam num bar, com suas amigas, elas estavam disponíveis, ou melhor, em busca de alguém igualmente disponível. Que blasfêmia, eu diria hoje. E foi assim que a conheci, vendo ela pedir uma segunda piña colada, num bar, com mais duas amigas.
Eu sabia que era a segunda porque desde que eu cheguei, não pude tirar os olhos dela, e ela bebeu a primeira taça incrivelmente rápido para quem apenas queria posar com um drink. O que mais me surpreendeu, ao longo das observações mentais que eu fazia, era que ela simplesmente não checava o telefone, nem quando as outras duas encaravam as suas telas, ela se mantinha no assunto, ou sustentava ele enquanto pudesse.
A minha mesa estava próxima ao ponto que eu conseguia ouvir o timbre da voz dela, mas não o suficiente para identificar suas palavras que saiam misturadas ao som ambiente. E porque ela simplesmente não podia olhar ao redor? Conferir se alguém ali era digno da atenção dela? Fui ficando impaciente para ser notado e pedi ao garçom para que, quando ela pedisse outro drink, que fosse debitado na minha comanda.
Eu tentei ao máximo não vigiar o processo, mas não pude deixar de perceber quando o garçom apontou levemente para mim, e então os nossos olhares se cruzaram. Ela levantou a taça, como se brindasse comigo e abriu um sorriso minúsculo. Levantei minha cerveja e retribuí o sorriso, porém o meu deve ter sido bem mais satisfeito do que eu gostaria que ela percebesse. Aí fiquei sem saber o que fazer, eu nunca tinha feito nada parecido, e sei lá, nos filmes isso parecia uma fórmula mágica, só que ali, nada acontecia.
Na volta do banheiro, encontrei ela no corredor. Usei meu olhar mais sedutor e disse oi. Ela me sorriu de volta e franziu as sobrancelhas. "Oi, obrigada pelo drink, mas eu estou realmente apertada". E saiu corredor a fora, enquanto eu permaneci parado, tentando decidir se esperava ali, ou voltava pra mesa, ou desistia de tudo e ia pra casa. Acho que demorei tempo demais para resolver, porque ela encostou no meu ombro e disse "pronto, agora sim consigo falar com você".

Três meses depois, segurando minha xícara de café, sentado no sofá, assistindo fórmula 1, ela parou na minha frente e disse que precisava ir pra casa. Eu sabia o que estava implícito ali. Ela não queria mais estar comigo, queria estar sozinha. E eu fiz que sim, com um aceno de cabeça.
Eu sei que em algum momento eu a fiz acreditar que havia paixão, que eu a respeitava, que era genuíno. E não que isso fosse mentira, mas não durou. Não durou porque eu entendi que ela não estava procurando ninguém, e que se eu desejava ser um alguém para ela, eu precisava ser diferente, e eu não era. E eu até quis mesmo ser, mas demorei a entender que ela realmente gostava de piña colada, que é possível ser dona de si e se perder de vez em quando, que teriam dias bons e dias ruins. Demorei para notar que eu precisava mais dela, que ela de mim, e que essa minha necessidade nos levaria ao fracasso.
Eu deveria apenas querê-la ali, e não precisar. Deveria ter ouvido melhor o que ela não disse, e mais ainda, o que ela disse repetidas vezes. Deveria ter pedido que ela ficasse naquela manhã de domingo.

Um ano depois eu ainda remexo nessas memórias, é estranho o quanto dá para guardar recordações de algo que foi tão breve. Ela se tornou um amontoado de frases e beijos e mãos na minha mente, e quando eu visito essa poeira debaixo do tapete, sempre penso que não é possível que foram só três meses. E toda vez que isso volta na minha cabeça, me lembro do quanto eu gostei dela, do quanto eu gostei de mim ao lado dela, e do quanto eu queria que tivesse durado. Se eu tivesse uma segunda chance, eu tentaria fazer diferente, mas isso já não importa mais.
Soube que ela se mudou e agora divide um apartamento com seu namorado, que visitou Machu Pichu e que usa tons de bege. Eu ainda visto jeans e camisetas pretas, uso twitter, e me pergunto todos os dias se algum dia ainda vou vê-la novamente.