sexta-feira, 13 de junho de 2014

3 - Despedindo.

Coloquei a chave na fechadura, passei pra dentro e olhei meu deprimente apartamento. Sem cor, com livros e muitas caixas da mudança. Que eu fiz há mais ou menos um ano. Caminhei até a minha cama, me joguei de bruços e esperei. Talvez o telefone tocasse eu precisaria levantar pra atender. Poderia até ser a Virgínia. Ou não. Fiquei imóvel por minutos, ou talvez horas, até que duas batidas na minha porta me incendiaram. Pulei e tropecei nos meus sapatos, ajeitei o cabelo e fui atender.
- Você leu?
Ela estava completamente bêbada. E por mais que ela se vestisse de forma alternativa, não parecia de propósito que suas peças de grife estavam sujas. Pela maquiagem no meio do rosto dava pra notar que teria chorado e que tentou limpar, pra parecer mais bem apessoada.
-Não sei do que você está falando. Entra, vou te fazer um café forte.
Passei ela pra dentro e ela jogou os braços por cima de mim, eu a arrastei lentamente até o sofá, surrado que ela me deu, ia pro lixo da casa dela.
Tentei perguntar o que ela queria dizer quando indagou se eu li. Foi bem inútil, ela já estava dormindo. Como uma princesa, uma princesa que tinha fugido de algum lugar, e estava delicadamente ferida. Eu admirei seu cabelo desgrenhado e fui passar um café. Definitivamente eu precisava mais daquela dose de cafeína que ela.


Com o dia claro, ela levantou a cabeça, e segurando na beirada do sofá, espiou perifericamente pra me encontrar. Da minha cama eu ri alto quando vi aqueles olhos.
-Ei. - Até rouca sua voz me encantava.
-Ei você.
-Seria estranho eu perguntar como vim parar aqui?
-Seria! Não sei de onde você veio, entrou dizendo sobre alguma coisa pra ler e dormiu.
-Me desculpe. Afinal, você leu?
-Do que você está falando?
-Da carta, que eu coloquei por baixo da sua porta!
Pulei da cama, como um tiro e fui na porta, e lá estava, um envelope palha, com meu nome. Peguei e olhei assustado pra ela.
-Não leia. Não enquanto eu tiver aqui. Vamos beber café e eu vou. Meu voo sai às 10 horas.
Não li. Porque ela guardou a carta no bolso, e só me devolveu quando foi despedir.
Encostada na soleira da porta, ela me olhou, olhou e olhou novamente. Sorriu, tirou a carta do bolso e me estendeu.
-Antônio, não leve a vida tão a sério. Por favor. E até eu voltar, não me leve muito a sério. E mais ainda, isso aqui foi escrito num momento confuso, leve muito pouco a sério.
Eu peguei a carta e segurei sua mão. Nunca estivemos tão perto quanto naquele momento. Podia ter sido diferente.
-Vou sentir sua falta, senhor idoso.
-Vou sentir sua falta, senhorita encrenca.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Ainda do mesmo jeito.

As dores abdominais voltaram. Pode ser stress, pode ser eu. Aquele eu seu. Aquele eu carente.
Nós evoluímos e eu não sei onde estou. Onde preciso estar então, não faço a menor ideia, ou tem algum sentido. Tento fazer dieta e me saboto, preciso malhar e vou tomar chopp. Necessito economizar e compro blusa de frio. Falo que vou diminuir o cigarro e a minha tosse só aumenta. Saio querendo ir e chego querendo voltar. Concordo com viagens absurdas sem mim, depois choro no travesseiro. Tento tomar remédio na hora certa e durmo. Tento parecer interessante mas ainda sou a velha cópia de 88. Os vinte e poucos anos em meses vão virar vinte e tantos mas olho no espelho e vejo meus dezesseis e meio. Não quero ouvir músicas cultas, quero ouvir o que o coração acelera pra colocar no repeat. Não quero saber se vai ter copa, quero tomar minha cerveja e xingar o juíz. Não tô me importando em quanto está ficando estádio, quero salário no fim do mês. Enfim, quero o piloto automático. E tá difícil.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

yes, you can.

Barbie.
Gostaria que fosse a última vez que precisamos nos falar. Nossos últimos encontros foram doloridos porém necessários. E eu olhando de longe consigo ver coisas que você não vê. Por isso venho humildemente te pedir um pouco de atenção.
Primeiramente. Onde está você, minha pequena? Você tem uma personalidade tão forte e tão imponente. Porque então eu só consigo ver outras pessoas quando olho para você? Porque só vejo você abrir mão de coisas que te agradam por 'um bem maior'? Que bem é esse que não está fazendo com que você possa dizer abertamente as coisas que você pensa, que você sente? Barbie, nós já conversamos sobre isso, você sabe que precisa mudar. Você sabe o que tem que fazer. Estou apenas pedindo que você olhe no espelho. Aquele grande que eu sei que você se admira. Cadê suas expressões transparentes? Pense.
Agora diga-me, o que você quer? O que você tem vontade? O que quer ser? Vai pra onde? Exato! Você está sem um norte, e se o seu norte estiver te esperando e você gastando todo esse tempo sentada aí? Olhe para frente e tente se ver. Você está aonde? Faça listas!
E o ápice da conversa, você está preparada para mudanças? Você está pronta para virar sua vida de pernas pro ar? E ainda assim, as pessoas do seu lado vão te apoiar? Você quer que as pessoas concordem com seus planos altos, mas não move um dedo para eles acontecerem, como você quer que alguém acredite na sua mente se ela só fica hibernando?
Você é capaz, você é bonita e não precisa de esmolas. Então vai. Pra onde você decidir. Mas vá! Se você se manter parada você vai receber o que já tem, e isso não te completa. Torço por você, minha bela. E eu acredito no seu futuro. Então vai. E me dê orgulho.
Beijos.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

2 - Correndo.

Caminhei pra casa, não queira ouvir nenhum ruído que me lembrasse viagem. Nem carro, nem metrô, nem ônibus. Eu queria esquecer essa noite. Queria enfiar minhas mãos no bolso. E fumar ao mesmo tempo. Tanto isso quanto esquecer a coisa toda sobre a viagem era impossível.
Foi quando eu decidi voltar. Pra jogar todas coisas na cara dela. Jogar o quanto eu estava apaixonado e o quanto ela me entristecia com a vida que ela levava. Caminhei devagar. Evitando chegar. Evitando falar mais uma vez.
Chegando nos grandes portões eu me virei. Pra desistir mesmo. Queria não estar ali. Aí sentei na calçada, porque se eu ficasse de pé mais um minuto eu correria.
- Antônio?
Pois é, não era ela. Era a mãe dela.
- Dona Cecília! Não te vi lá dentro. Como vai?
Cecília era muito alta e muito bonita, mostrando ao jovem mundo que foi uma mulher maravilhosa. E a gente passava muito tempo conversando quando a Virgínia demorava a aparecer,  ou dormia.
- Antônio, aconteceu algo hoje? Virgínia está meio alterada.
- Você conhece a filha que tem, deve estar comemorando a viagem, já que me contou toda feliz.
- Ela te disse isso?
- Não, mas deu a entender.
- Ela nos engana tão facilmente.  Suspirou triste. - Eu a vi escrever uma carta aos prantos.
Dizendo isso ela saiu de cabeça baixa. E eu decidi que não era o melhor momento pra explodir um amor. Ela amava o remetente da carta chorosa. E para minha lamuria, não era eu.