terça-feira, 3 de maio de 2016

Não posso ficar

'Oi amor, se é que ainda tenho o direito de te chamar assim. Primeiro de tudo, eu queria te pedir desculpas pela covardia que habita em mim. Porquê? Porque você não habita mais dentro de mim e por isso, eu não habito mais no seu apartamento. Pode conferir os armários, estão vazios, da mesma forma que eu estou. E devo todos os buracos a mim mesma. Eu abandonei nós dois a muito tempo, eu briguei no início, achei que pudesse te mudar ou me moldar a você, mas a verdade é que as pessoas só mudam por elas mesmas. Eu sinto muito. Fui notando aos poucos que a toalha molhada em cima da cama já não me incomodava mais, que as manchas de cerveja na mesa não faziam diferença, que o 'eu te amo' do final das ligações soavam como um adeus. Então eu comecei a me preocupar com o fim e quis de verdade que não acabasse, tentei ficar bonita, tentei chamar a sua atenção, mas o fato é que a rotina nos deixou tão confortáveis que deixamos para depois. E o depois veio. E a gente não. Você já não me olhava mais, eu já não me importava. Então eu acordei hoje bem mais cedo que você, e fiquei te olhando durante um bom tempo. Eu soube que precisava ir embora, antes que virássemos dois estranhos que dividem uma cama, antes que você visse que nós dois falhamos em algum lugar não identificado e que não havia mais tempo para resolver. Por isso a minha falta de coragem em te olhar nos olhos e dizer que acabou, talvez me falharia a voz e tudo voltaria a ser morno, talvez você me pediria pra ficar e tentar fazer diferente. Talvez. Eu não tive a coragem de te esperar. Não pense por um minuto que eu não te amo, eu amo, do jeito que se ama ao ver uma foto antiga, que enche a boca de sorriso e os olhos de lágrimas, e escapole sem querer 'tempo bom que não se voltar mais', seguido de 'eu era feliz e não sabia'. Se cuida. Deixei sobras do macarrão de ontem na geladeira. Trouxe comigo sua camiseta cinza. Espero que algum dia a gente se perdoe.'