terça-feira, 3 de maio de 2022

eu jamais te escreveria isso

Queria escrever sobre coisas que eu estava sentindo mas esbarrei no vazio que ficou quando eu fui embora. Foi aí que percebi a imensidão do espaço que você habitava em mim, porque agora estou um pouco oco. Você preenchia o lado esquerdo da cama, o travesseiro mais baixo, meu par de meias pretas, meu moletom vermelho. Você era a cadeira do outro lado da mesa para jogar, fumar, tomar uma, comer, rir. Você era a maior apoiadora dos meus projetos, quem mais me incentivava a perseguir meus sonhos, hobbies, trabalhos. O banco do carona fica vazio e ninguém mais percebe que mandei lavar o carro, nem me pergunta se aquele vazamento está contido, ou se o pneu murchou de novo. Não tem ninguém para brilhar os olhos quando faço um filtro dos sonhos, ou para ficar triste que o cavalo do jogo morreu, ou torcer pela vigésima vez que tento ganhar no dominó. Não tenho com quem assistir aquelas séries que deixamos pelo meio do caminho, nem como comentar daqueles livros (inclusive, temos que destrocar alguns), por isso fui assistir outras coisas, das quais eu sei que nem se eu quisesse, você não gostaria de saber. Não tenho de onde voltar com o dia claro, todo desgrenhado após fazer amor no carro depois de uma noite de cervejas e urgências. Não tenho "bom dia amor", "tô pronta, pode vir", "nem acredito que vou te ver". Não recebo diamante negro no meio da tarde, nem donnuts, nem visitas inesperadas no meu trabalho que me deixam desconcertado. Só que também, não tenho que adivinhar qual o humor que terei que lidar no dia, não preciso registrar onde vou, com quem vou. Não preciso preocupar com meu destino, nem como as minhas horas gastas com jogos, muito menos com o nosso futuro. E foi assim que fui mudando de vida, fui indo para outra direção, a qual você permanece cada vez mais no vazio, enquanto eu preencho ele de atividades extracurriculares para que nada me faça, nem por um instante, te querer aqui de volta.