segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Não.

'Porque se não fossemos tão humanos não sentiríamos tanta dor, por outro lado, nem tanto amor. Aquele misto dolorido de querer bem e querer longe, a luta entre fica mais e estou indo embora. Sem saber como lidar, a apatia pode ser uma solução simples e imediata. Quando as forças secam, o que pode te fazer bem é simplesmente não ligar mais. E não ligar mais pode ser o sintoma mais triste de uma doença que raramente tem cura, o fim. Não queria mais sonhar, queria viver um pouco mais. Talvez a solução seja seguir, ou quem sabe apenas deixar de seguir. Colocar os pés na areia, desenhar um coração com apenas uma letra, a minha. E gritar ao mundo que as dores estomacais estão atacando. O motivo é aquele velho conhecido. Velho somos nós, que não queremos mais lutar, tendo apenas a vontade de ter o controle remoto num domingo a tarde. As dores vão e voltam. E eu também. Com medo do inseguro, me prendo no conformismo. Com a cabeça pesada, vou deixando o rio seguir seu rumo, por que cá pra nós, decisões não são o meu forte.'

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Vírgula

Ela era aquele tipo de rascunho, mal acabado, com algumas linhas rabiscadas e setas mostrando que algumas coisas deviam ser mudadas. E preferia deixar assim, talvez algum dia ela resolvesse fazer diferente. Talvez. Passar a limpo sempre a deixava triste porque mostrava erros, e ela vivia cheia de curativos, tinha medo de abrir algum ponto. Traduzia a vida em palavras que não capturavam a essência dos joelhos ralados ou do travesseiro molhado. Ela era, provavelmente, a coisa mais linda e mais triste que já conheci. E me encantava com cada deslize seu. Tinha vontade de secar suas lagrimas com beijos, de tomar sua dor numa dose e entorpecer com seus soluços. Eu queria cuidar daquela obra severamente não acabada. As bagunças me atraem, talvez porque eu tenha essa mania insana de querer colocar o mundo em ordem, como se as pessoas tivessem frequências diferentes e eu fosse capaz de equalizá-las. O sorriso torto me fazia queria alinhar as estrelas pra ela sorrir. Eu sabia que o seu coração tinha vários espinhos e que vez ou outra, eu sairia machucado, e isso não me impedia de querer cada vez mais ser seu salva-vidas. Queria vê-la correr aos meus braços, pedindo cafuné e carinho, como se só o meu colo fosse remédio para suas angústias, como se só ao meu lado ela pudesse dormir sem pesadelos e assim, que ela não temesse mais nada. Mas, assim como todas as confusões que ela era, ela me perdeu no processo, e quase como efeito de criptonita, eu me vi enfraquecer diante dos seus olhos turvos. 'Eu tentei pequena, tentei nos salvar'. Ela sabia que sem as forças dela, era inútil eu tentar. Deixei sua bagunça, parti deixando a porta aberta, torcendo pra que se ela não conseguisse encontrar alguém mais forte, que ela me gritasse corredor a fora, talvez usássemos um corretor ortográfico, e então eu te editaria, porque é mais fácil eu te ajudar do que limpar minha própria vida.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A arte da auto-sabotagem

Como sempre, esta sou eu, a pessoa que mais duvida das coisas boas, que torce 24hrs por elas, mas quando está tudo bem, eu sou a primeira a caçar defeitos. Queria mesmo era entender essa minha necessidade de estar triste ou preocupada, parece que em algum lugar da minha mente errada, o certo pra mim é sofrer. Talvez eu tenha lido em algum lugar que todos os escritores tem um lado sombrio. É que às vezes eu acho que não mereço ter aquilo que eu mais quero: a felicidade. Quando se tem 20 e poucos essa tarefa é super fácil, coisas difíceis e problemas surgem a todo momento. Aí você tem 20 e tantos e os problemas amenizam, aí você cria alguns absurdos pra não sair da rotina. Ou para me sentir mais adolescente problemática, que diga-se de passagem, eu levei bem a sério essa coisas de rebeldia. Eu me recuso inconscientemente o tempo todo a ter a idade que eu tenho, não me sinto preparada para fazer coisas que já devia ter completado há anos. Essa sou eu. Síndrome de Peter Pan. Ou talvez só queria ser a Sininho. A fantasia me convida a ignorar o mundo, e aí vou criando bruxas e maldições no meu conto de fadas. Sou tão prejudicial a mim que ao contrário de montar o sonho perfeito com cerquinha branca na frente da minha casa de campo, eu crio fantasmas e desastres, o meu maior inimigo sou eu mesma. Pode ser que eu não saiba viver feliz, com a vida seguindo tranquilamente o fluxo devido, ou talvez a minha felicidade seja atravessar meus medos, só sei que dói viver assim, nessa luta constante, onde eu vou perder e ganhar de mim, até eu me encontrar.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Outra direção.

fiction


Vou contar de uma paixão que tive. Uma paixão que mexeu comigo, uma mulher que me fez cantarolar no banho. Ela era simplesmente linda. E simples mesmo. Fora de qualquer padrão, ela só era isso. E conversar com ela me fazia colocar a vida nos trilhos. Ela me fazia pensar. E como sou meio impulsivo, fiz uma ou outra coisa sem pensar, entrei em caminhos sem volta, com e sem ela. Mas com ela, parecia ser leve. Ela falava algumas coisas e eu devorava suas palavras, pra absorver o máximo que podia. Eu sabia que ia ser temporário. E cada toque, era como os tantos sonhos com ela. Ela era tudo o que eu precisava. Só não era minha. Nunca seria. Ela vivia a vida muito diferente de mim, éramos de mundos diferentes que se cruzaram por um breve tempo, a ponto dela me mudar. Hoje vejo as mulheres de uma forma diferente dos outros homens. Elas são lindas, e mais do que isso, existem muitas interessantes, com conteúdo. E isso encanta mais que beleza. Ao mesmo tempo que são sensíveis, conseguem enxergar o mundo de forma fria e calculista. Os nossos caminhos continuaram, cada um para seu lado e ela foi viver, livre. Eu conheci várias outras mulheres, que procurei o jeito dela em cada uma. E não achei. E não vou achar. Mas obrigado gata, você me fez ser maior. Se cuida, onde quer que você esteja.




quarta-feira, 18 de março de 2015

6 - (s)Em ordem

A luz apagada dava uma impressão de proibição no que estivéssemos fazendo. Eu deslizava minha mão na curva das suas costas enquanto ela se pressionava contra meu corpo. Não existiu uma palavra, um olhar comprometedor. Na penumbra, nos encontramos.


-Bom dia.
Eu ouvi a sua voz suave ao abrir os olhos e não conseguia acreditar no que estava acontecendo. A gente já tinha dormido mil vezes juntos. Cada um nas suas respectivas camas, vestidos e sem o menor contato físico. Éramos amigos. E eu já ouvi esse 'bom dia' inúmeras vezes. Mas não nesse tom. Não depois de sentir tudo o que não cabia mais em mim. Era tudo o que eu queria ouvir. Tudo que eu precisava pra ter certeza que ontem existiu.
-Ei, bom dia.
-Preciso ir, ninguém sabe onde estou e tenho muitas coisas pra colocar em ordem antes de ir.
-Ir?
-Sim Antônio, eu vou voltar pra Europa.
Eu enfiei a cabeça no travesseiro, torcendo para que ela não visse essa cena. Eu até quis gritar, mas ia parecer muito sofrimento.
-Ok.
-Antônio, não vou entrar nesse jogo de novo. Ou conversamos ou estou indo embora.
-Não temos nada pra falar nesse momento.
-Eu te odeio.
Ela saiu catando os sapatos. E deixou a porta bater de propósito. Ela devia estar mesmo com muita raiva mas nada disso era justo. Nós vivemos uma noite incrível e então ela está indo embora. Pro outro lado do mundo. E o que ela queria conversar? 'Fui pra te esquecer, voltei pela minha mãe, não te esqueci, estou indo embora'. Zero coerência. Fui pro banho, tentando limpar da mente a minha raiva dela, e ao mesmo tempo com pesar de saber que assim seu cheiro ia sair de mim.


memórias de uma viagem

A claridade me acorda. Abro os olhos devagar e tento reconhecer onde eu estou. Vejo cortinas que um dia foram brancas, hoje são puídas pelos ventos que as fazem danças. Não me sinto em casa. O cheiro de coisa guardada me faz querer abrir as gavetas da minha antiga casa. Aqui nada é meu. Não tenho posses. Uso tudo com cautela porque sei que eventualmente, tudo voltará para seus respectivos donos. Ando por uma casa fantasma, onde os móveis contam histórias de seus dias gloriosos. Tudo é lindo. Não consigo apreciar absolutamente nada. Meu café de microondas esfria. Seguro o livro como se tivesse mesmo a vontade de lê-lo. Não tenho. Lavo coisas e finjo ser alguém que talvez queria ser. Não sou. O arroz não cozinha, o pão de queijo murcha e eu espirro. Talvez as grandes pessoas do mundo passaram por isso, esse negócio de não saber o que fazer. Passo por isso tantas vezes que talvez essa seja a pergunta que a minha mente já bloqueou. Eu choro, todos os dias. Quando estou sozinha. O dia todo. Digo pra mim, em voz alta e tudo, que não posso surtar. Digo chorando. às vezes gritando. Tudo parece um erro. E esse troço de coração é um saco, já que em momentos me diz que está tudo bem e eu me acalmo. Mas aqui é tudo quente e diferente e eu penso nos meus pais. E eu quero colo. Mas eu sou um colo aqui. E além de não ter posses, não tenho direitos. Uma rocha. Derretendo e desmanchando. De aparência linda, sociável e calma. Uma farsa. Me sento em cadeiras de plástico para viver minha vida de plástico. Sinto falta da mediocridade de acordar para trabalhar, de olhar no espelho. Aqui me sinto pequena ao ser grande todo o tempo. Falho ao tentar receber elogios e continuo desesperadamente. Preciso de uma auto afirmação que não consigo me dar. Preciso das pessoas. Os pássaros e aranhas não me bastam. Não sei nem ter medo sozinha. Não sirvo dentro de mim. Caem folhas de palmeiras imperiais. Como se o império ruísse às minhas vistas sem uma perspectiva de ascensão. Me escondo sob lençóis azuis, travesseiro amarelo e coberta verde. Zero patriotismo. Conformo apenas. E converso sozinha. As ligações diminuíram a medida que os dias foram arrastando e então me pergunto se a vida fora dos meus portões continua a mesma. Se o dia está anoitecendo em outros lugares. Se as pessoas estão comprando presente de natal. Eu não estou fazendo nada. Não adiciono nada além de açúcar ao café instantâneo. Não floresço, não clareio, não sou.                                                                                                                                            18/12/14

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Se vira e fica bem.

É que quando você vai, você leva uma parte de mim. Parece clichê. Talvez até seja quando não se vive assim, por meios tecnológicos de comunicação. Você despede e eu despedaço. Porque não somos um corpo só, mas diz isso pro meu coração que pensa que nascemos grudados. E a vida fica de pernas pro ar. E eu tento juntar as minhas peças de roupa e as lágrimas que eu deixo cair, mas encontro sua camiseta e volto ao luto. Tento fazer da rotina o meu meio de sair dos seus laços, e quando quase consigo, desespero. É que eu vim com um dispositivo que diz que se eu não estiver loucamente apaixonada por você, significa que não te amo mais. E não te amar dói só de ser dito ou pensado. É apenas um coração partido, mas o corpo todo dói. Sem motivo. Eu ainda te tenho de alguma forma, e espero que de alguma forma, isso te traga de volta.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

5 - Só por uma noite

Depois de um mês sem resposta e eu sem coragem de dar algum outro passo eu decidi afogar minhas mágoas. Fui à vários botecos e conheci garotas liberais. Tive várias ressacas e histórias pra contar. Quando eu me cansava, vinha pro apartamento e escrevia. Fui fugindo o tempo todo. Fugia do e-mail. O qual eu nunca tive a coragem de relê-lo. Quando eu estava sóbrio ela me fazia muita falta. Quando eu estava bêbado ela era qualquer mulher, e assim eu me declarava, às vezes até chorava, mas na maioria do tempo eu lamentava não ter feito muitas coisas que teriam nos colocado no mesmo continente agora.
Passou um tempo, não sei dizer quanto, os meus dias eram turvos. Meu telefone tocou:
-Antônio?
Era ELA! E eu reagi sem ver.
-Você ainda existe? A Europa não te sugou?
-Sim. Existo. E, estou no Brasil.
-Ah. Bom. Espero que aproveite sua volta. Estou meio ocupado. Nos falamos depois.
-Antônio? (E fez uma pausa lenta e demorada) O velório da minha mãe é hoje, às 16horas. Caso desocupe, apareça. Ela te amava.
Aí eu sentei. No susto, sem palavras. Dona Cecília era alguém que o mundo não podia se dar ao luxo de perder. Era uma rainha da vida real.
-Meus sentimentos. Aguenta firme que já vou.
-Ei, obrigada. Preciso de você.




Vestido com meu velho terno me senti um mendigo ao chegar no cemitério. Um grande velório, luto cobria até o céu, que de ensolarado passou pra nublado e sofrido. Coisas ao ar livre me dão impressão de mais glamourosas, grandiosas. E lá era assim. Tinha até uma tia da Virgínia com véu preto. Coisas que só a família dela poderia viver fora dos filmes. Aí eu vi ela de longe. E ao invés de sair correndo para abraçá-la, decidi fumar outro cigarro pra ver se criava coragem. Enquanto isso fui observando, os cabelos mais curtos, com um tom mais claro nas pontas. Sem brincos ou pulseiras. Apenas seus dois anéis inseparáveis, um presente da sua madrinha e outro da sua mãe. Aquela que por ventura estava sendo velada.
Quando consegui, sentei ao seu lado. E senti seu cheiro. Cheiro de lar. E sem uma palavra passei meu braço por entre os seus. E lá eu fiquei. Até que depois de certo tempo ela decidiu que tínhamos que nos falar.
-Ela me ligou ontem. Reclamou de saudades. De mim e de você. Disse que você devia estar chateado, ou bravo comigo, porque caso contrário já teria passado pra tomar um chá.
-Eu sinto muito. Eu estive ocupado. E talvez sem saber como lidar com tudo. Mas hoje não. Hoje tenho certeza que nada é mais importante que estar aqui.
Acabou o velório, o enterro, as homenagens e tudo o que Dona Cecília tinha direito. Ainda de braços dados convidei a Virgínia para não ir embora. Talvez fosse difícil entrar em casa sem a mãe e talvez eu não quisesse deixá-la escapar da curva dos meus braços.




-Outra garrafa?
-Antônio, sim para mais uma Stolichnaya, e não para dormir hoje. Hoje só quero que não acabe nada, nem hoje nem nunca. Porque eu não aguento mais despedidas e adeus e essas coisas chatas. E eu sinto falta da minha mãe e de você e de mim. Porque eu fiquei esse tempo longe e foi dolorido e agora que eu queria tudo junto de novo eu não posso ter mais.
-Ei, só queria saber se ainda tinha companhia pra continuar bebendo. Mas sim, você pode desabafar comigo.
-Posso? Porque da última vez que fiz isso tive que trocar de continente pra não querer sumir.
-Você sumiu. Eu esperei alguma resposta.
-Você não me deu resposta.
Isso era verdade.
-Você conseguiu?
-Consegui o que?
-Me esquecer.
-Não.
-O que queria que eu fizesse agora?
-Tira minha dor.
Aí meu coração acelerou. E eu a encarei por um tempo. Então levantei do chão. Sentei no sofá ao seu lado. Com a minha mão direita acariciei sua bochecha e guardei uma mecha de cabelo atrás da orelha. Ela estava linda, com os olhos marejados de lágrimas. E eu a beijei. Com raiva de estar fazendo isso logo após o velório da sua mãe. E com desejo, de quem esperou a vida por isso. E ela ainda com os olhos abertos, me abraçou, no meio do beijo dizendo: posso ser sua?

sábado, 21 de fevereiro de 2015

mais nada

fiction
Foi uma noite pesada. Ela sorria pra mim daquela forma triste e eu queria segurá-la. E beijá-la. Ternamente. Tirar todos os seus problemas e afagar seus cabelos para afogar suas mágoas. Eu queria sorrir de volta. Só tomava outro gole pra afastar da minha mente o seu cheiro. Cheiro de roupa limpa e listerine. Ela era esse misto de minha e do mundo. Nada conseguia parar seu trem desgovernado. Ela preenchia a sala. Sozinha fazia minha multidão. E me fuzilava quando abria a boca. Quase sempre bêbada. Quase sempre de outro alguém.
Essa noite foi começando com o telefone tocando. Ela me chamou indiretamente para sairmos. Como sempre ela nunca dava importância para a minha presença. Ou tentava me fazer pensar assim. Desfazia de mim como se eu não tivesse importância. Mas quando ficava zonza, caçava uma forma de me fazer cair nas suas teias. E tanto quanto uma viúva negra, me usava e me matava. Ir embora da minha cama era tão simples pra ela, me fazia crer que esse era o ponto alto dos nossos momentos. Levantar e com todo desdém do mundo me olhar, deixando claro que fui usado novamente.
Não que eu goste dela. Eu gosto do que ela faz em mim. Consegue me deixar calmo e louco ao mesmo tempo. Eu preciso encostar naquela cintura, preciso chegar perto daquele pescoço e dizer coisas sujas. Parece que ela sabe disso. Sabe que ela me tira do rumo. Que eu quero. E muito. Então eu bebo outro copo esperando a minha deixa. Pra oferecer uma carona sem compromisso. E talvez a pernoite do motel.
E assim ela faz. Deixa. Deixa eu me envolver sem me dar uma frase pessoal. Nunca vou conhecê-la. Não vou saber quais são seus hobies(exceto o de me matar lentamente). Vou deixar ela me enlouquecer bastante. E fazer tudo de novo. Porque é isso que eu quero. Ela. E só.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

4 - Sopa de Letrinhas

Mal esperei a porta dar o estalo ao fechar e peguei aquele envelope. O motivo dela ter aparecido bêbada na minha porta estava nas minhas mãos e eu suava. Talvez até tremia. Me sentei no sofá e abri.

"Antônio.
não sou de longas cartas, nem de longos adeus. Por isso é um recado. Estou triste com a sua reação à minha viagem. Por um instante achei que me daria algum motivo pra eu ficar. O Sandro pediu e implorou pra que eu ficasse. Você não. Então eu estou indo, e espero que 
Quer saber? Estou indo pra te esquecer.
Sua encrenca
Virgínia."

Acho que tive um apagão. De horas. O que estaria acontecendo naquele momento não entrava na minha mente de forma alguma. Eu queria ler novamente. Mas eu tinha que correr e vê-la antes do embarque. E eu sei que não era possível. Primeiro porque não daria tempo e segundo que eu não sabia o que eu queria dizer. (Terceiro porque não sei se teria coragem). 
Ela era minha encrenca. Sempre. O Sandro, um fortão que ela insistia em ocupar seu tempo livre, pediu pra ela ficar. Quem toma whey consegue ter sentimentos? Que ódio desse idiota. Ele não tinha o direito. Será que ele sabia que ela me contava sobre os dois? Será que algum dia ele pensou que eu sabia que ele gostava de dormir com a luz acesa por algum trauma de infância? Pois é, Sr. Sandro. Eu sei de tudo. E guardo ódio por você ser um trouxa e ela ainda ficar com você. Ela disse com sua letra caligrafada que era MINHA encrenca. O que ela desistiu de escrever? O que eu tinha que fazer nesse momento? Encher a cara.



E assim foi o meu domingo, e a minha segunda. (Obrigado à esse santo que fez dessa segunda um feriado). Terça fui trabalhar, sem muita escolha e com muita ressaca. Abri meu e-mail com medo de mais alguma revelação dela. Não tinha. Abri as redes sociais. Nada. Conferi meu celular, até liguei pro fixo pra ver se a rede estava funcionando mesmo. Eu não tinha nenhuma notícia da Virgínia e ela tinha dito que estava indo para me esquecer. Me esquecer. Eu. Eu fui um idiota. Eu tinha que ter corrido até o aeroporto e feito um grande gesto, tipo filme, ou um flash mob. Já vi comédias românticas, apesar de negar fielmente. E eu não mandei nenhum emoticon com carinha feliz. Ela esperava chegar na minha casa bêbada e eu ter lido e a gente se amar? Aí então ela não iria? Comecei a digitar como se não houvesse amanhã, saiu tudo meio desconexo mas era real.

"Virgínia
Estamos no século XXI, não se usa cartas, e-mails são mais rápidos e não ficam esquecidos em baixo de portas. Eu li. E você tem esse jeito estranho de escrever as coisas, acho até que ficou faltando um pedaço da sua breve e vaga dissertação. Como estão as coisas aí? Conta liberada no exterior deve ser legal. Vai conhecer muita coisa e principalmente, muita gente. Eu quis ir te ver. Tipo lá no aeroporto. Mas não tenho carro e o transporte público é lento. Taxi é um pouco mais rápido, mas a gente já até discutiu sobre isso, lembra? Eles são lentos, caros e mau-humorados. Aquele dia foi engraçado, colocamos defeito em todos os taxistas que conhecemos, e até os que por ventura ainda iremos conhecer. Lembra que aí seu tio passou mal e tivemos que pegar um taxi pro hospital? Hahaha. Bons tempos. Fomos rindo e falando mal dele, sem ele notar, chamando pelo codinome 'sorvete'. Ah, mas então. Não deu certo de despedir, acho que você até prefere assim. Aí eu também estava meio atrasado com essas coisas aqui do jornal. Sabe como é, né? Grandes poderes, grandes responsabilidades, sou quase um homem aranha das notícias. E foi feriado aqui ontem. Aí já viu, meio corrido, meio de cama. Tá tudo normal aqui. E eu tô normal, o que era de se esperar já que eu fiquei em casa, enquanto você está na Europa. Sabia que a Europa é tipo muito gigante? E que se você pudesse, poderia ser mais específica de onde está na verdade? É que fica mais fácil procurar pontos turísticos pra te indicar. Ou pra pegar um voo. Hahaha. Estou brincando. Parece que meu e-mail ficou meio grande e já tá bom. É isso, encrenca. Até breve.
Abraços
Antônio."

Eu mandei e quis 'desmandar'. Foi ridículo. Eu falei coisas aleatórias, parecia uma sopa de letrinhas, não saiu nada com nada. E eu sinto o ódio dela como se ela leu cada linha caçando minha resposta. Eu não consegui. Vai saber se essa distância ia me mostrar que eu estava confundindo as coisas. E ela também. E tinha o Sandro medroso. E eu era um babaca. Voltei ao trabalho, Com o e-mail aberto, esperando a resposta dela. Em algum momento ela iria me responder. É claro que ia. Eu sei que ia. Eu esperava que ia.