quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Se vira e fica bem.

É que quando você vai, você leva uma parte de mim. Parece clichê. Talvez até seja quando não se vive assim, por meios tecnológicos de comunicação. Você despede e eu despedaço. Porque não somos um corpo só, mas diz isso pro meu coração que pensa que nascemos grudados. E a vida fica de pernas pro ar. E eu tento juntar as minhas peças de roupa e as lágrimas que eu deixo cair, mas encontro sua camiseta e volto ao luto. Tento fazer da rotina o meu meio de sair dos seus laços, e quando quase consigo, desespero. É que eu vim com um dispositivo que diz que se eu não estiver loucamente apaixonada por você, significa que não te amo mais. E não te amar dói só de ser dito ou pensado. É apenas um coração partido, mas o corpo todo dói. Sem motivo. Eu ainda te tenho de alguma forma, e espero que de alguma forma, isso te traga de volta.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

5 - Só por uma noite

Depois de um mês sem resposta e eu sem coragem de dar algum outro passo eu decidi afogar minhas mágoas. Fui à vários botecos e conheci garotas liberais. Tive várias ressacas e histórias pra contar. Quando eu me cansava, vinha pro apartamento e escrevia. Fui fugindo o tempo todo. Fugia do e-mail. O qual eu nunca tive a coragem de relê-lo. Quando eu estava sóbrio ela me fazia muita falta. Quando eu estava bêbado ela era qualquer mulher, e assim eu me declarava, às vezes até chorava, mas na maioria do tempo eu lamentava não ter feito muitas coisas que teriam nos colocado no mesmo continente agora.
Passou um tempo, não sei dizer quanto, os meus dias eram turvos. Meu telefone tocou:
-Antônio?
Era ELA! E eu reagi sem ver.
-Você ainda existe? A Europa não te sugou?
-Sim. Existo. E, estou no Brasil.
-Ah. Bom. Espero que aproveite sua volta. Estou meio ocupado. Nos falamos depois.
-Antônio? (E fez uma pausa lenta e demorada) O velório da minha mãe é hoje, às 16horas. Caso desocupe, apareça. Ela te amava.
Aí eu sentei. No susto, sem palavras. Dona Cecília era alguém que o mundo não podia se dar ao luxo de perder. Era uma rainha da vida real.
-Meus sentimentos. Aguenta firme que já vou.
-Ei, obrigada. Preciso de você.




Vestido com meu velho terno me senti um mendigo ao chegar no cemitério. Um grande velório, luto cobria até o céu, que de ensolarado passou pra nublado e sofrido. Coisas ao ar livre me dão impressão de mais glamourosas, grandiosas. E lá era assim. Tinha até uma tia da Virgínia com véu preto. Coisas que só a família dela poderia viver fora dos filmes. Aí eu vi ela de longe. E ao invés de sair correndo para abraçá-la, decidi fumar outro cigarro pra ver se criava coragem. Enquanto isso fui observando, os cabelos mais curtos, com um tom mais claro nas pontas. Sem brincos ou pulseiras. Apenas seus dois anéis inseparáveis, um presente da sua madrinha e outro da sua mãe. Aquela que por ventura estava sendo velada.
Quando consegui, sentei ao seu lado. E senti seu cheiro. Cheiro de lar. E sem uma palavra passei meu braço por entre os seus. E lá eu fiquei. Até que depois de certo tempo ela decidiu que tínhamos que nos falar.
-Ela me ligou ontem. Reclamou de saudades. De mim e de você. Disse que você devia estar chateado, ou bravo comigo, porque caso contrário já teria passado pra tomar um chá.
-Eu sinto muito. Eu estive ocupado. E talvez sem saber como lidar com tudo. Mas hoje não. Hoje tenho certeza que nada é mais importante que estar aqui.
Acabou o velório, o enterro, as homenagens e tudo o que Dona Cecília tinha direito. Ainda de braços dados convidei a Virgínia para não ir embora. Talvez fosse difícil entrar em casa sem a mãe e talvez eu não quisesse deixá-la escapar da curva dos meus braços.




-Outra garrafa?
-Antônio, sim para mais uma Stolichnaya, e não para dormir hoje. Hoje só quero que não acabe nada, nem hoje nem nunca. Porque eu não aguento mais despedidas e adeus e essas coisas chatas. E eu sinto falta da minha mãe e de você e de mim. Porque eu fiquei esse tempo longe e foi dolorido e agora que eu queria tudo junto de novo eu não posso ter mais.
-Ei, só queria saber se ainda tinha companhia pra continuar bebendo. Mas sim, você pode desabafar comigo.
-Posso? Porque da última vez que fiz isso tive que trocar de continente pra não querer sumir.
-Você sumiu. Eu esperei alguma resposta.
-Você não me deu resposta.
Isso era verdade.
-Você conseguiu?
-Consegui o que?
-Me esquecer.
-Não.
-O que queria que eu fizesse agora?
-Tira minha dor.
Aí meu coração acelerou. E eu a encarei por um tempo. Então levantei do chão. Sentei no sofá ao seu lado. Com a minha mão direita acariciei sua bochecha e guardei uma mecha de cabelo atrás da orelha. Ela estava linda, com os olhos marejados de lágrimas. E eu a beijei. Com raiva de estar fazendo isso logo após o velório da sua mãe. E com desejo, de quem esperou a vida por isso. E ela ainda com os olhos abertos, me abraçou, no meio do beijo dizendo: posso ser sua?

sábado, 21 de fevereiro de 2015

mais nada

fiction
Foi uma noite pesada. Ela sorria pra mim daquela forma triste e eu queria segurá-la. E beijá-la. Ternamente. Tirar todos os seus problemas e afagar seus cabelos para afogar suas mágoas. Eu queria sorrir de volta. Só tomava outro gole pra afastar da minha mente o seu cheiro. Cheiro de roupa limpa e listerine. Ela era esse misto de minha e do mundo. Nada conseguia parar seu trem desgovernado. Ela preenchia a sala. Sozinha fazia minha multidão. E me fuzilava quando abria a boca. Quase sempre bêbada. Quase sempre de outro alguém.
Essa noite foi começando com o telefone tocando. Ela me chamou indiretamente para sairmos. Como sempre ela nunca dava importância para a minha presença. Ou tentava me fazer pensar assim. Desfazia de mim como se eu não tivesse importância. Mas quando ficava zonza, caçava uma forma de me fazer cair nas suas teias. E tanto quanto uma viúva negra, me usava e me matava. Ir embora da minha cama era tão simples pra ela, me fazia crer que esse era o ponto alto dos nossos momentos. Levantar e com todo desdém do mundo me olhar, deixando claro que fui usado novamente.
Não que eu goste dela. Eu gosto do que ela faz em mim. Consegue me deixar calmo e louco ao mesmo tempo. Eu preciso encostar naquela cintura, preciso chegar perto daquele pescoço e dizer coisas sujas. Parece que ela sabe disso. Sabe que ela me tira do rumo. Que eu quero. E muito. Então eu bebo outro copo esperando a minha deixa. Pra oferecer uma carona sem compromisso. E talvez a pernoite do motel.
E assim ela faz. Deixa. Deixa eu me envolver sem me dar uma frase pessoal. Nunca vou conhecê-la. Não vou saber quais são seus hobies(exceto o de me matar lentamente). Vou deixar ela me enlouquecer bastante. E fazer tudo de novo. Porque é isso que eu quero. Ela. E só.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

4 - Sopa de Letrinhas

Mal esperei a porta dar o estalo ao fechar e peguei aquele envelope. O motivo dela ter aparecido bêbada na minha porta estava nas minhas mãos e eu suava. Talvez até tremia. Me sentei no sofá e abri.

"Antônio.
não sou de longas cartas, nem de longos adeus. Por isso é um recado. Estou triste com a sua reação à minha viagem. Por um instante achei que me daria algum motivo pra eu ficar. O Sandro pediu e implorou pra que eu ficasse. Você não. Então eu estou indo, e espero que 
Quer saber? Estou indo pra te esquecer.
Sua encrenca
Virgínia."

Acho que tive um apagão. De horas. O que estaria acontecendo naquele momento não entrava na minha mente de forma alguma. Eu queria ler novamente. Mas eu tinha que correr e vê-la antes do embarque. E eu sei que não era possível. Primeiro porque não daria tempo e segundo que eu não sabia o que eu queria dizer. (Terceiro porque não sei se teria coragem). 
Ela era minha encrenca. Sempre. O Sandro, um fortão que ela insistia em ocupar seu tempo livre, pediu pra ela ficar. Quem toma whey consegue ter sentimentos? Que ódio desse idiota. Ele não tinha o direito. Será que ele sabia que ela me contava sobre os dois? Será que algum dia ele pensou que eu sabia que ele gostava de dormir com a luz acesa por algum trauma de infância? Pois é, Sr. Sandro. Eu sei de tudo. E guardo ódio por você ser um trouxa e ela ainda ficar com você. Ela disse com sua letra caligrafada que era MINHA encrenca. O que ela desistiu de escrever? O que eu tinha que fazer nesse momento? Encher a cara.



E assim foi o meu domingo, e a minha segunda. (Obrigado à esse santo que fez dessa segunda um feriado). Terça fui trabalhar, sem muita escolha e com muita ressaca. Abri meu e-mail com medo de mais alguma revelação dela. Não tinha. Abri as redes sociais. Nada. Conferi meu celular, até liguei pro fixo pra ver se a rede estava funcionando mesmo. Eu não tinha nenhuma notícia da Virgínia e ela tinha dito que estava indo para me esquecer. Me esquecer. Eu. Eu fui um idiota. Eu tinha que ter corrido até o aeroporto e feito um grande gesto, tipo filme, ou um flash mob. Já vi comédias românticas, apesar de negar fielmente. E eu não mandei nenhum emoticon com carinha feliz. Ela esperava chegar na minha casa bêbada e eu ter lido e a gente se amar? Aí então ela não iria? Comecei a digitar como se não houvesse amanhã, saiu tudo meio desconexo mas era real.

"Virgínia
Estamos no século XXI, não se usa cartas, e-mails são mais rápidos e não ficam esquecidos em baixo de portas. Eu li. E você tem esse jeito estranho de escrever as coisas, acho até que ficou faltando um pedaço da sua breve e vaga dissertação. Como estão as coisas aí? Conta liberada no exterior deve ser legal. Vai conhecer muita coisa e principalmente, muita gente. Eu quis ir te ver. Tipo lá no aeroporto. Mas não tenho carro e o transporte público é lento. Taxi é um pouco mais rápido, mas a gente já até discutiu sobre isso, lembra? Eles são lentos, caros e mau-humorados. Aquele dia foi engraçado, colocamos defeito em todos os taxistas que conhecemos, e até os que por ventura ainda iremos conhecer. Lembra que aí seu tio passou mal e tivemos que pegar um taxi pro hospital? Hahaha. Bons tempos. Fomos rindo e falando mal dele, sem ele notar, chamando pelo codinome 'sorvete'. Ah, mas então. Não deu certo de despedir, acho que você até prefere assim. Aí eu também estava meio atrasado com essas coisas aqui do jornal. Sabe como é, né? Grandes poderes, grandes responsabilidades, sou quase um homem aranha das notícias. E foi feriado aqui ontem. Aí já viu, meio corrido, meio de cama. Tá tudo normal aqui. E eu tô normal, o que era de se esperar já que eu fiquei em casa, enquanto você está na Europa. Sabia que a Europa é tipo muito gigante? E que se você pudesse, poderia ser mais específica de onde está na verdade? É que fica mais fácil procurar pontos turísticos pra te indicar. Ou pra pegar um voo. Hahaha. Estou brincando. Parece que meu e-mail ficou meio grande e já tá bom. É isso, encrenca. Até breve.
Abraços
Antônio."

Eu mandei e quis 'desmandar'. Foi ridículo. Eu falei coisas aleatórias, parecia uma sopa de letrinhas, não saiu nada com nada. E eu sinto o ódio dela como se ela leu cada linha caçando minha resposta. Eu não consegui. Vai saber se essa distância ia me mostrar que eu estava confundindo as coisas. E ela também. E tinha o Sandro medroso. E eu era um babaca. Voltei ao trabalho, Com o e-mail aberto, esperando a resposta dela. Em algum momento ela iria me responder. É claro que ia. Eu sei que ia. Eu esperava que ia.