quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Obrigado

O apartamento estava cheirando mofo, provavelmente porque havia 21 dias que ela não abria às janelas. Especificamente 21 dias, desde aquela tarde.
Da cama ela olhou no espelho, quilos mais magra, olheiras, rímel borrado. Tiveram alguns pares de dias em que ela tentou, de verdade, sair da cama e sobreviver ao dia. Falhou miseravelmente.
Debaixo da porta algumas contas vencidas, na fruteira duas peras apodreceram, na geladeira o leito azedou. Por onde começar?
Aquela tarde foi tão rápida. Ele a olhou nos olhos, demoradamente, segurou sua mão e a agradeceu por tudo. Nada além, nada aquém. Dobrou as roupas e colocou na mochila, foi ao banheiro e voltou com a escova de dente. Pegou meia dúzia de livros da estante e até sorriu pra aquele dele que ela queria ler mas não começara ainda, deixou ele lá. Calçou seu tênis, deu uma última olhada naquele lugar que até então era chamado de lar e sem sequer olhar pra trás, saiu, como se fosse ali e já voltasse, como se nem precisasse despedir. Ela não entendeu. Na verdade ela entendeu mas não fazia sentido. Nem naquela tarde nem hoje.
Ela permaneceu naquela cama o resto do dia, e o dia seguinte. Depois ligou no trabalho avisando que estava de virose (o que de tudo não era mentira, já que ela vomitava tudo que comida). O telefone tocou algumas vezes mas ela não atendeu nenhuma, quem ligava não era ele. Tinha dias que seus olhos não abriram pela manhã por ter passado horas chorando. Tinha dias que ela não conseguia chorar (os piores), então ela ficava apática olhando pras paredes. As janelas permaneceram fechadas, a tv desligada, o celular ao alcance das mãos. Ela precisava de ajuda.