terça-feira, 5 de julho de 2022

em + ela = nela

Ela quebrou o ovo e caiu uma casquinha na frigideira. Foi assim que ela começou a chorar. Porque caiu um pedaço da casca na frigideira. Assim ela percebeu o quanto estava vulnerável. Fungou, limpou o nariz na manga do moletom vermelho e olhou na janela, a tampa do alçapão do prédio vizinho estava torta. Há dias fazia frio lá fora, naquele dia fazia frio ali dentro, dentro dela. Mais tarde, ainda no mesmo dia ela se deparou com algumas coisas que, no seu íntimo, pareciam estar sangrando, mesmo quando ela dizia ao mundo que não estava. Ela estava toda à flor da pele, tudo poderia ser um risco iminente. Decidida, abriu o editor de textos e ao ver a página em branco ela pensou o quanto se sentia daquela exata mesma forma, em branco, nula, vazia, rasa e ao mesmo tempo profunda. Escreveu meia dúzia de palavras e viu que não ia funcionar. Vagou pelo apartamento, sozinha, em silêncio. Permaneceu na penumbra por mais alguns minutos, adaptando as vistas ao breu, e chorou novamente. O que doía agora já não eram os outros, suas decisões, suas atitudes, seus escândalos, o que incomodava agora era o que estava do lado de dentro, a tempestade que insistia em cair dos olhos porque transbordava dos pensamentos e sentimentos, a sensação de desespero ao realizar a sua responsabilidade em cada atitude que a colocou ali, no meio de uma sala meio vazia, numa cidade que não é sua, solitária e descontente. Ela já tinha algumas ferramentas para lidar com tudo isso, mas naquele momento ela não tinha forças para se lembrar de qualquer cartão de enfrentamento. Voltou para a cama, deitou encolhida, dormiu torcendo para que amanhã ou depois fosse diferente.

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