quarta-feira, 18 de março de 2015

6 - (s)Em ordem

A luz apagada dava uma impressão de proibição no que estivéssemos fazendo. Eu deslizava minha mão na curva das suas costas enquanto ela se pressionava contra meu corpo. Não existiu uma palavra, um olhar comprometedor. Na penumbra, nos encontramos.


-Bom dia.
Eu ouvi a sua voz suave ao abrir os olhos e não conseguia acreditar no que estava acontecendo. A gente já tinha dormido mil vezes juntos. Cada um nas suas respectivas camas, vestidos e sem o menor contato físico. Éramos amigos. E eu já ouvi esse 'bom dia' inúmeras vezes. Mas não nesse tom. Não depois de sentir tudo o que não cabia mais em mim. Era tudo o que eu queria ouvir. Tudo que eu precisava pra ter certeza que ontem existiu.
-Ei, bom dia.
-Preciso ir, ninguém sabe onde estou e tenho muitas coisas pra colocar em ordem antes de ir.
-Ir?
-Sim Antônio, eu vou voltar pra Europa.
Eu enfiei a cabeça no travesseiro, torcendo para que ela não visse essa cena. Eu até quis gritar, mas ia parecer muito sofrimento.
-Ok.
-Antônio, não vou entrar nesse jogo de novo. Ou conversamos ou estou indo embora.
-Não temos nada pra falar nesse momento.
-Eu te odeio.
Ela saiu catando os sapatos. E deixou a porta bater de propósito. Ela devia estar mesmo com muita raiva mas nada disso era justo. Nós vivemos uma noite incrível e então ela está indo embora. Pro outro lado do mundo. E o que ela queria conversar? 'Fui pra te esquecer, voltei pela minha mãe, não te esqueci, estou indo embora'. Zero coerência. Fui pro banho, tentando limpar da mente a minha raiva dela, e ao mesmo tempo com pesar de saber que assim seu cheiro ia sair de mim.


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