quarta-feira, 18 de março de 2015

memórias de uma viagem

A claridade me acorda. Abro os olhos devagar e tento reconhecer onde eu estou. Vejo cortinas que um dia foram brancas, hoje são puídas pelos ventos que as fazem danças. Não me sinto em casa. O cheiro de coisa guardada me faz querer abrir as gavetas da minha antiga casa. Aqui nada é meu. Não tenho posses. Uso tudo com cautela porque sei que eventualmente, tudo voltará para seus respectivos donos. Ando por uma casa fantasma, onde os móveis contam histórias de seus dias gloriosos. Tudo é lindo. Não consigo apreciar absolutamente nada. Meu café de microondas esfria. Seguro o livro como se tivesse mesmo a vontade de lê-lo. Não tenho. Lavo coisas e finjo ser alguém que talvez queria ser. Não sou. O arroz não cozinha, o pão de queijo murcha e eu espirro. Talvez as grandes pessoas do mundo passaram por isso, esse negócio de não saber o que fazer. Passo por isso tantas vezes que talvez essa seja a pergunta que a minha mente já bloqueou. Eu choro, todos os dias. Quando estou sozinha. O dia todo. Digo pra mim, em voz alta e tudo, que não posso surtar. Digo chorando. às vezes gritando. Tudo parece um erro. E esse troço de coração é um saco, já que em momentos me diz que está tudo bem e eu me acalmo. Mas aqui é tudo quente e diferente e eu penso nos meus pais. E eu quero colo. Mas eu sou um colo aqui. E além de não ter posses, não tenho direitos. Uma rocha. Derretendo e desmanchando. De aparência linda, sociável e calma. Uma farsa. Me sento em cadeiras de plástico para viver minha vida de plástico. Sinto falta da mediocridade de acordar para trabalhar, de olhar no espelho. Aqui me sinto pequena ao ser grande todo o tempo. Falho ao tentar receber elogios e continuo desesperadamente. Preciso de uma auto afirmação que não consigo me dar. Preciso das pessoas. Os pássaros e aranhas não me bastam. Não sei nem ter medo sozinha. Não sirvo dentro de mim. Caem folhas de palmeiras imperiais. Como se o império ruísse às minhas vistas sem uma perspectiva de ascensão. Me escondo sob lençóis azuis, travesseiro amarelo e coberta verde. Zero patriotismo. Conformo apenas. E converso sozinha. As ligações diminuíram a medida que os dias foram arrastando e então me pergunto se a vida fora dos meus portões continua a mesma. Se o dia está anoitecendo em outros lugares. Se as pessoas estão comprando presente de natal. Eu não estou fazendo nada. Não adiciono nada além de açúcar ao café instantâneo. Não floresço, não clareio, não sou.                                                                                                                                            18/12/14

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