terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

5 - Só por uma noite

Depois de um mês sem resposta e eu sem coragem de dar algum outro passo eu decidi afogar minhas mágoas. Fui à vários botecos e conheci garotas liberais. Tive várias ressacas e histórias pra contar. Quando eu me cansava, vinha pro apartamento e escrevia. Fui fugindo o tempo todo. Fugia do e-mail. O qual eu nunca tive a coragem de relê-lo. Quando eu estava sóbrio ela me fazia muita falta. Quando eu estava bêbado ela era qualquer mulher, e assim eu me declarava, às vezes até chorava, mas na maioria do tempo eu lamentava não ter feito muitas coisas que teriam nos colocado no mesmo continente agora.
Passou um tempo, não sei dizer quanto, os meus dias eram turvos. Meu telefone tocou:
-Antônio?
Era ELA! E eu reagi sem ver.
-Você ainda existe? A Europa não te sugou?
-Sim. Existo. E, estou no Brasil.
-Ah. Bom. Espero que aproveite sua volta. Estou meio ocupado. Nos falamos depois.
-Antônio? (E fez uma pausa lenta e demorada) O velório da minha mãe é hoje, às 16horas. Caso desocupe, apareça. Ela te amava.
Aí eu sentei. No susto, sem palavras. Dona Cecília era alguém que o mundo não podia se dar ao luxo de perder. Era uma rainha da vida real.
-Meus sentimentos. Aguenta firme que já vou.
-Ei, obrigada. Preciso de você.




Vestido com meu velho terno me senti um mendigo ao chegar no cemitério. Um grande velório, luto cobria até o céu, que de ensolarado passou pra nublado e sofrido. Coisas ao ar livre me dão impressão de mais glamourosas, grandiosas. E lá era assim. Tinha até uma tia da Virgínia com véu preto. Coisas que só a família dela poderia viver fora dos filmes. Aí eu vi ela de longe. E ao invés de sair correndo para abraçá-la, decidi fumar outro cigarro pra ver se criava coragem. Enquanto isso fui observando, os cabelos mais curtos, com um tom mais claro nas pontas. Sem brincos ou pulseiras. Apenas seus dois anéis inseparáveis, um presente da sua madrinha e outro da sua mãe. Aquela que por ventura estava sendo velada.
Quando consegui, sentei ao seu lado. E senti seu cheiro. Cheiro de lar. E sem uma palavra passei meu braço por entre os seus. E lá eu fiquei. Até que depois de certo tempo ela decidiu que tínhamos que nos falar.
-Ela me ligou ontem. Reclamou de saudades. De mim e de você. Disse que você devia estar chateado, ou bravo comigo, porque caso contrário já teria passado pra tomar um chá.
-Eu sinto muito. Eu estive ocupado. E talvez sem saber como lidar com tudo. Mas hoje não. Hoje tenho certeza que nada é mais importante que estar aqui.
Acabou o velório, o enterro, as homenagens e tudo o que Dona Cecília tinha direito. Ainda de braços dados convidei a Virgínia para não ir embora. Talvez fosse difícil entrar em casa sem a mãe e talvez eu não quisesse deixá-la escapar da curva dos meus braços.




-Outra garrafa?
-Antônio, sim para mais uma Stolichnaya, e não para dormir hoje. Hoje só quero que não acabe nada, nem hoje nem nunca. Porque eu não aguento mais despedidas e adeus e essas coisas chatas. E eu sinto falta da minha mãe e de você e de mim. Porque eu fiquei esse tempo longe e foi dolorido e agora que eu queria tudo junto de novo eu não posso ter mais.
-Ei, só queria saber se ainda tinha companhia pra continuar bebendo. Mas sim, você pode desabafar comigo.
-Posso? Porque da última vez que fiz isso tive que trocar de continente pra não querer sumir.
-Você sumiu. Eu esperei alguma resposta.
-Você não me deu resposta.
Isso era verdade.
-Você conseguiu?
-Consegui o que?
-Me esquecer.
-Não.
-O que queria que eu fizesse agora?
-Tira minha dor.
Aí meu coração acelerou. E eu a encarei por um tempo. Então levantei do chão. Sentei no sofá ao seu lado. Com a minha mão direita acariciei sua bochecha e guardei uma mecha de cabelo atrás da orelha. Ela estava linda, com os olhos marejados de lágrimas. E eu a beijei. Com raiva de estar fazendo isso logo após o velório da sua mãe. E com desejo, de quem esperou a vida por isso. E ela ainda com os olhos abertos, me abraçou, no meio do beijo dizendo: posso ser sua?

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